O brasileiro é, por natureza, um empreendedor. Sem querer romantizar os porquês, somos um povo que aprendeu a se virar. Ou a sobreviver. Durante a pandemia, essa veia se mostrou ainda mais latente. De acordo com um levantamento do Sebrae, em 2021, o Brasil registrou mais de 3,9 milhões de empreendimentos formalizados como micro pequenas empresas ou MEIs (microempreendedores individuais). Esse número representa um crescimento de 19,8% frente a 2020.
O que antes já se mostrava como um perfil do profissional brasileiro ganhou novas nuances após a chegada do coronavírus. Com a crise gerada pela pandemia, demissões em massa e reduções de salários, muitas pessoas encontraram no empreendedorismo uma fonte extra de renda. Segundo um levantamento da Global Entrepreneurship Monitor, em parceria com o Sebrae e o Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade, 52 milhões de trabalhadores possuem negócio próprio. Destes, 9 milhões são MEIs.
Dados do IBGE divulgados em janeiro deste ano revelam que 38,578 milhões de brasileiros atuam na informalidade (40,6%). Os números falam por si só, reforçando a necessidade da inclusão financeira em um momento em que a maior parte da população não pode apresentar garantias de empréstimos e financiamentos tradicionais.
Muitos destes profissionais têm dificuldade em conseguir acesso ao sistema financeiro por variados motivos. Grande parte das instituições pedem comprovantes de renda que não são compatíveis com a lucratividade de negócios emergentes e familiares. E quando o potencial de produtividade e consumo cai em uma ponta, todo um sistema sofre as consequências.
Pensando em atender às necessidades dos microempreendedores e pequenas empresas, surge o microcrédito produtivo orientado, uma completa disrupção de modelo de negócios do setor.
O modelo do microcrédito produtivo orientado
O modelo foi proposto originalmente por Muhammad Yunus e de tão transformacional, lhe rendeu o Prêmio Nobel da Paz de 2006. Há 40 anos, o economista criou o Grameen Bank, na Índia, com o objetivo de combater a pobreza no país. Atualmente, o banco conta com 2,5 mil agências e presta serviços em mais de 80 mil aldeias indianas.
Em 2019, a Forbes considerou a instituição como uma das cinco mais inovadoras do mundo e de maior impacto social naquele ano. No Brasil, o negócio do economista está presente desde 2013, por meio da Yunus Negócios Sociais, organização que fomenta a geração de empregos, saúde e educação em áreas de baixa renda.
Mas o que torna o modelo de Yunus tão especial? Cito aqui alguns elementos:
Foco em atividades produtivas e de microempreendedores das cidades e do campo. É preciso ter uma atividade econômica para ser elegível, e todo o financiamento deve ser aplicado no negócio. Daí o termo “produtivo”.
Tickets extremamente baixos, estruturados para atender a necessidade exata do empreendedor.
Inexigibilidade de garantia real para os empréstimos, o que desburocratiza sobremaneira o processo e traz para o jogo todo o montante de microempresários informais.
A atuação dos agentes de crédito, profissionais que atuam como consultores dos empreendedores dando suporte não só financeiro, mas também em gestão e inteligência de mercado. É o pilar “orientado” do modelo.
Formação do aval solidário. Nesse formato de garantia, grupos de até 10 microempreendedores organizados pelo agente, se unem e garantem o pagamento das prestações uns dos outros. Se alguém falhar, outro membro do grupo cobre o pagamento, gerando um senso de união, motivação conjunta e um baixo índice de inadimplência.
Replicabilidade e escala do modelo.
Profundo impacto social e econômico na população mais carente das sociedades, trazendo renda, educação e dignidade para as pessoas. Esse componente é fundamental para o desenvolvimento social do país.
A evolução do microcrédito no Brasil
No Brasil, o primeiro relato de microcrédito que se tem registro foi concedido pela União Nordestina de Assistência a Pequenas Organizações em Recife e Salvador, entre os anos de 1973 e 1991. Seu objetivo nasceu e continua o mesmo até os dias atuais: viabilizar a liberação de recursos e financiamentos para atividades produtivas de pequenos negócios.
Com o passar dos anos, a necessidade de inclusão bancária e empoderamento financeiro de classes mais baixas cresceu, o que possibilitou a regulação da atividade. Então, em 2005, foi criado o PNMPO (Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado), em vigência até os dias atuais.
Nos últimos 10 anos, o mercado de microcrédito brasileiro apresentou grandes saltos, ainda que exista muito espaço para crescer. Segundo a Distrito, 84% dos microempreendedores nunca solicitaram crédito para seus negócios. Atualmente, um dos principais programas é o Crediamigo, do Banco do Nordeste, com mais de 2,24 milhões de clientes ativos e R$ 9,52 bilhões aplicados em 2020.
Vale ressaltar que o valor financiado é compatível com as necessidades do negócio em questão e sua respectiva capacidade de pagamento, com normas que variam de instituição para instituição. Neste aspecto, o microcrédito produtivo orientado é um empréstimo na medida certa para cada empreendimento, com o objetivo de elevar o fluxo de caixa.
Com a proposta de incentivar o crescimento de renda da população, de acordo com o Serasa, o microcrédito é destinado a empresas com faturamento anual bruto de até R$ 200 mil, pessoas físicas que desejam abrir seu próprio negócio e trabalhadores autônomos.
Por se tratar de uma iniciativa voltada para empreendedores de baixa renda, as taxas de juros estão entre as mais baixas do mercado, girando em torno dos 4% ao ano. No Brasil, alguns bancos e outros agentes financeiros, como cooperativas e fintechs oferecem esse tipo de empréstimo, como por exemplo:
Banco do Nordeste
Caixa Econômica
Banco do Brasil
BNDES
Cooperativa Sicoob
Cooperativa Sicred
Banco Bradesco
Banco Itaú
Banco Santander
Um outro case muito interessante é o do BASA (Banco da Amazônia), player do Norte do país que conta com uma rede de agências da região especializadas em microempreendimentos. Dentre as iniciativas da instituição, podemos citar linhas de crédito para o setor produtivo rural, empreendedores populares informais, MEIs e financiamentos para microempreendedores de estados nortistas, Maranhão e Mato Grosso. O banco apoia projetos com viés cultural, social e ambiental por meio de editais relacionados à região amazônica.
Aqui no BNDES atuamos com microcrédito desde 1996, quando foi criado o PCPP (Programa de Crédito Produtivo Popular), oferecendo funding para agentes repassadores. Em 2003, a iniciativa foi substituída pelo PM (Programa de Microcrédito), posteriormente transformado em PMC (Programa de Microcrédito do BNDES).
O banco trabalha com agentes que oferecem microcrédito no valor de até R$ 20 mil, chamados de agentes de 1º piso. Entre eles, podemos destacar:
Cresol
Banco da Gente Patos de Minas
Instituto Estrela
Fomento Paraná
ICC Serra
ACREVI
Banco da Família
Casa do Microcrédito
Credioeste
Extracredi
Planorte
Ao se observar o modelo do microcrédito produtivo orientado, nota-se a relevância da capacidade de predição gerada a partir de análises relacionadas aos estudos de economia comportamental, que são um trunfo que os operadores de crédito podem ter. Como se sabe, a economia comportamental estuda os efeitos de diversos fatores, tais como os psicológicos, sociais e emocionais na tomada de decisões dos indivíduos. A boa análise cadastral continua sendo central na concessão do crédito, mas a análise da psicologia e comportamento humanos, ditado por elementos culturais locais também é chave na estruturação de um modelo de sucesso.
O mecanismo do aval solidário, por exemplo, ao dialogar com a reputação e monitoramento social, mostra-se mais efetivo do que outros mecanismos e instrumentos de garantia comumente utilizados por agentes financeiros. Em um tempo em que tudo muda muito rápido, o estudo e acompanhamento das dinâmicas culturais e comportamentais locais é uma poderosa ferramenta de mitigação de risco.
O modelo do MPO captura com sucesso a possibilidade de monetização do “crédito social”, baseado no valor reputacional e senso de colaboração muitas vezes existente em comunidades mais carentes.
Pensar em desenvolvimento é dialogar com a inclusão em todas as suas esferas. Promover e ampliar a possibilidade de inclusão financeira e produtiva da população de baixa renda é parte fundamental na construção de um futuro sustentável para o nosso país.
*Com a colaboração de Alice Lopes
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