Quanto carbono a sua comida emite? Existe uma relação enredada entre a cadeia produtiva de alimentos e mudanças climáticas. Talvez um dos setores mais essenciais para a reversão das emissões de gases de efeito estufa, essa complexa indústria ainda está à margem da discussão e muito aquém do lugar que deveria ocupar no debate.
Em 2021, a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) destacou a crescente emissão de carbono por parte da cadeia de abastecimento de alimentos. Em muitos países, essa indústria já ultrapassou a agropecuária e o uso da terra como maior fonte de emissões dentro do sistema agroalimentar.
Desmatamento, fermentação entérica (ou, no português claro, o “pum” do gado), atividades de processamento, embalagens e transporte estão entre os principais emissores globais do efeito estufa. O estudo da FAO, que engloba o intervalo de tempo entre 1990 e 2019, em 236 países, revela que a cadeia de abastecimento de alimentos responde por metade das emissões globais de dióxido de carbono.
Francisco Tubiello, estatístico sênior da FAO e autor do relatório, afirma que, no período de 30 anos, os dados que se destacam são as emissões fora do setor agrícola. Neste sentido, precisamos ter maior atenção aos processos de pré e pós-produção dos alimentos em todas as escalas: global, nacional e regional.
Os números apontam que 31% do total de emissões globais são oriundas de sistemas agroalimentares. O resultado é 17% acima em relação a 1990, mas é preciso considerar que, há mais de três décadas, a população mundial era menor. Dentre as 16,5 bilhões de toneladas de CO2 liberadas na atmosfera em 2019 — 7,2 bilhões vieram das fazendas. Já o abastecimento alimentar foi responsável pela liberação de 5,8 bilhões de toneladas.
A FAO divide as emissões dessa indústria em três principais atividades: uso da terra, fazenda, pré e pós-produção. Além do CO2, o setor emite outros gases como o metano (CH4) e óxido nitroso (N20).
Um relatório divulgado pela Citi GPS (Cit Global Perspectives & Solutions), em julho deste ano, coloca uma lupa em alguns dados. A mudança no uso da terra foi o maior contribuinte do total de alimentos emissões de gases de efeito estufa em 2019, em cerca de 21%, seguido por fermentação entérica de ruminantes, em torno de 17%.
Uso da terra como bem durável
Atualmente, a produção agrícola utiliza 50% das terras habitáveis do planeta. Cerca de mais de três quartos (40 milhões de km²) são utilizados para a criação de gado, através de uma combinação de pastagens e uso da terra para a produção de ração animal. A indústria faz o uso do solo como um bem durável, mas estamos descobrindo que ele não é. Pelo menos não do jeito que conhecemos e precisamos.
Não é nenhuma novidade que a agricultura é (grande) parte do problema global que enfrentamos, uma vez que o desmatamento para produção de alimentos e pecuária são vilões importantes desse enredo. As emissões da mudança no uso da terra são o maior contribuinte do sistema alimentar global, chegando a 3,5 gigatoneladas de CO2. Para fins comparativos, isso equivale a pouco menos da metade das emissões de gases de efeito estufa dos Estados Unidos.
Nas fazendas, os contribuintes protagonistas são as fermentações entéricas e esterco. Aqui, outros gases como o metano e o óxido nitroso ganham maior relevância na tabela de emissões. Entretanto, o gado não é o único algoz da atmosfera nesta fase. A produção de arroz, item básico na alimentação de muitos países, representa 9% das emissões.
O impacto na cadeia de suprimentos
A pré e pós-produção dos alimentos vêm se destacando como uma emissora de peso nos últimos anos e mais do que dobrou em 2019 frente a 1990. O avanço pode ser observado em todas as categorias de suprimentos, entretanto, o varejo e consumo foram etapas substanciais.
Consumo de energia do comércio e armazenamento, refrigeração e iluminação são alguns dos fatores que elevaram os números dessa equação. Dentro de casa, as emissões utilizadas no preparo de alimentos também são fortes candidatos de impacto. Junte esses pontos com a perda e desperdício de suprimentos em processos produtivos e consumo que teremos um cenário ainda mais preocupante.
Pensar que a cadeia produtiva como um todo pode ser tão nociva é contraditório, uma vez que 600 milhões de pessoas no mundo estão sem comida o suficiente. E não é por falta de insumos e recursos, visto que, de acordo com o Citi GPS, um terço dos alimentos produzidos são perdidos ou desperdiçados e mais de 2 bilhões de toneladas por ano não são consumidas. Ainda assim, é difícil mensurar as emissões de tais perdas.
Emissões por região
No sistema alimentar global, as emissões de gases de efeito estufa relacionadas à atividade humana foram mais latentes na África e América Latina — com 60% e 72%, respectivamente. O resultado assusta, pois são regiões com economias sofridas e alto índice de pobreza. Sem surpresa, na Europa e na América do Norte, mais de 50% do total de emissões do setor global de alimentos são atribuídos às atividades de pré e pós-produção e manufatura.
No recorte nacional, a China é, de longe, o maior emissor. Na sequência, temos Índia, Brasil e Indonésia. Por aqui, as emissões são, em sua maioria, oriundas de mudanças do uso da terra. Na cadeia produtiva brasileira, o setor de alimentos é responsável por 80% do total de liberação de gases de efeito estufa em atividade humana.
Levando a bandeira de quarto maior produtor agrícola do globo, principal produtor de café, cana-de-açúcar e frutas cítricas, bem como o segundo maior produtor de soja, carne bovina e aves, o Brasil ainda precisa lidar com outros problemas como desmatamento para pecuária e outros produtos. Ou seja, zerar emissões é um longo caminho, considerando o peso do sistema alimentar e questões ambientais que são velhas conhecidas.
A culpa é de quem?
É difícil apontar vilões e mocinhos perante problemas tão abrangentes. Contudo, reduzir gases de efeito estufa começam por acordos internacionais e ações nacionais, mas na prática não é bem assim. Muitos governos empurram as responsabilidades para a iniciativa privada — que, diga-se de passagem, também precisam desempenhar seu papel.
O Greenhouse Gas Protocol divide as emissões em diretas ou indiretas (escopo 1, 2 e 3, como já abordei em outros conteúdos), e reduzi-las a zero é um caminho árduo, mas possível. Compromissos precisam ser firmados, em um acordo coletivo que não precisa ser assinado. Cada um, governo, empresa ou consumidor, é responsável por seus próprios impactos.
Chega a ser quase inacreditável que o tema acerca da cadeia produtiva de alimentos, uma indústria essencial para a vida humana, tenha sido tão negligenciado pela COP 26. A transição para modos mais sustentáveis de consumo e produção não foram considerados nos acordos firmados pelos líderes mundiais presentes em Glasgow.
Então, como podemos garantir padrões alimentares que sejam resilientes às mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, viáveis, saudáveis e sustentáveis? Depender do modelo dominante atual não será possível. Neste sentido, a inovação proveniente de ESGTechs, AgTechs, ClimaTechs e demais startups e empresas que tem como missão e propósito alcançar a neutralização da cadeia produtiva é uma luz no fim do túnel.
É preciso aproximar ainda mais os setores de tecnologia e alimentação, construir pontes com especialistas em mudanças climáticas. Fomentar redes de impacto que integrem expertises que, juntas, podem mudar o rumo da nossa história. Já parou para pensar em como o clima impacta a forma que nos alimentamos? Ou o que e como vamos comer em 2050?
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